Máquina Plek

O assunto deste post não é propriamente novo no mundo da guitarra, porém, este é o primeiro site em Português que visita a fábrica e publica detalhadamente.

Do que se trata?

A máquina Plek é uma invenção alemã que busca levar o ajuste de instrumentos de corda até à perfeição, algo que é impossível fazer com o trabalho manual.

Como funciona?

Basicamente é uma máquina CNC que tem a capacidade de medir e digitalizar toda a escala do braço do instrumento com precisão e determinar os ajustes necessários.

A mesma máquina além da medição depois realiza as correções com brocas e abrasivos automatizados, também controlados por computador.

Por ser uma máquina programável, outras coisas são possíveis como por exemplo remover um nut antigo escavando e fazer um do zero… e foi isso tudo que fomos fazer. Vamos lá?

Pé na estrada, seguimos para Berlim onde fica fábrica que criou e produz a máquina.

A fábrica está localizada perto centro, e um bairro que se mistura com uma área residencial agradável e silenciosa.

Em uma primeira visão parece coisa de filme de ficção científica, mas olhando de perto tudo vai fazendo sentido e é incrível o que foi feito apenas pensando no conforto e performance ao tocar um instrumento.

Parece uma geladeira gigante e pesa aproximadamente 400kg.

Acomoda perfeitamente instrumentos como violões, guitarras e baixos. Obviamente instrumentos menores como Ukuleles também podem ser tratados pela máquina.

Este modelo da foto é o mais moderno produzido atualmente, que inclui cabeças automatizadas que não necessitam de intervenção humana para mudar de brocas e abrasivos. Tudo fica dentro de um compartimento e a máquina seleciona o que necessita utilizar.

Os modelos mais novos também já fazem a limpeza automática e são equipados com aspirador de partículas.

As máquinas mais antigas não possuem estes recursos, o que envolve mais trabalho manual e também deixa todo o serviço mais lento. Ainda assim, elas fazem em uma tarde o que uma pessoa levaria dias para fazer e com uma precisão imbatível.

Como falado anteriormente, a máquina é controlada por um computador com um software especial também desenvolvido pela marca. O mais interessante é que roda windows normal e está conectada na internet, dando a possibilidade para os técnicos realizarem ajustes e configurações de forma remota nos diversos clientes espalhados pelo mundo, tudo em tempo real.

Por isso mesmo que a máquina está em constante evolução e a cada nova função adicionada, basta realizar tudo online e os próprios técnicos que desenvolvem podem ajustar tudo sem ter acesso físico ao equipamento.

No topo da foto é possível ver a broca utilizada para realizar trabalhos no nut, na parte central este pino que parece de latão percorre as cordas, trastes e toda a escala para medir as dimensões.

Na parte de baixo é possível ver um disco giratório de titânio que realiza o desbaste dos trastes. Este disco é todo “talhado” na fábrica com brocas de diamante e o processo leva cerca de 10 horas.

Após a produção destas ferramentas, tudo é verificado e medido com um microscópio:

O serviço mais popular realizado pela máquina é o de retifica de trastes.

O método manual tradicional envolve lixar todos os trastes até que estejam todos na mesma altura.

O problema é que fazer isso em trastes novos faz com que se perca muito material, e por ser novo isso é algo bastante negativo.

A coisa fica mais complicada quando o desbaste é feito para corrigir trastes já gastos e normalmente só é possível fazer uma ou duas vezes antes de ter de trocar os trastes do instrumento.

Com a máquina Plek os trastes novos permanecem novos, e os antigos apenas recebem desbaste nos pontos em que são necessários para que todos fiquem perfeitamente alinhados. Genial, não?

No caso de instrumentos muito caros / raros, é uma solução muito útil para evitar ao máximo tirar a originalidade do instrumento.

Um exemplo disso é a escala de maple que normalmente tem de ser lixada e receber um novo verniz, o que em um instrumento vintage é impensável de fazer. Isso sempre foi um problema pois para não fazer esse procedimento a única opção era compensar nos trastes novos, que acabam sendo muito desbastados e diminuindo assim o tempo útil.

Como a máquina cria uma imagem virtual de como está a escala, ela também detecta torções no braço do instrumento e consegue fazer a compensação nos trastes.

É claro que em casos mais graves é necessário colocar trastes novos e mais altos para que o serviço fique perfeito, mas ainda assim é possível recuperar um instrumento condenado.

Isso não é dramático e todo instrumento pode ter um pouquinho de torção no braço e algumas marcas até fazem isso de forma intencional.

Além da visita, levei uma das minhas guitarras para receber um serviço completo para demonstração. Vale lembrar que a fábrica não realiza serviços, apenas fabrica e vende máquinas. Quem desejar ter o seu instrumento verificado e corrigido deverá procurar lojas e oficinas que possuam a máquina.

Infelizmente no Brasil / América do Sul ainda não existe nenhuma máquina Plek.

São fáceis de encontrar na América do Norte, Europa e Ásia.

A guitarra escolhida para passar por todo o processo foi uma Harley Benton T-Fusion, um instrumento acessível e com características muito interessantes como tarraxas com locking e trastes inox.

Já tenho a guitarra faz uns 3 anos e queria saber como estavam os trastes como vieram de fábrica, verificar se havia alguma torção no braço e também fazer um nut novo. O nut original era Graphtech mas os slots não foram lá muito bem feitos e decidi fazer um novo, desta vez de osso por uma questão de preferência pessoal.

Resumo das verificações e serviços realizados:

Medição completa da escala e dos trastes.

Remoção do nut antigo por desbaste.

Instalação do novo nut de osso, recorte e slots feitos também por desbaste.

Alinhamento dos trastes.

Alteração do raio da escala ( já iremos falar disso mais lá para a frente )

A primeira coisa é ligar a máquina e esperar que ela se calibre sozinha, o que leva aproximadamente 10 minutos.

Após tudo funcionando é hora de instalar a guitarra com fitas que garantem que o instrumento não vai se mover e também são feitas de materiais que não riscam nem danificam a madeira. Após todo o processo a guitarra sai sem nenhum sinal.

Algumas fábricas de instrumentos de alto padrão utilizam estas máquinas já na linha de produção para garantir instrumentos perfeitos e todo o serviço é feito sem deixar marcas.

O serviço não é tão simples quanto apertar um botão e a guitarra sair de lá pronta. São muitos os processos e tudo o que foi feito nessa guitarra levou aproximadamente 6 horas e incontáveis xícaras de café.

O primeiro passo após fixar o instrumento é afinar para que o braço seja medido recebendo a força das cordas em uma condição normal de uso.

Após afinar, a máquina irá realizar uma digitalização completa do braço que leva 15 minutos e irá indicar se é necessário ou não ajustar o tensor antes da próxima etapa.

No caso dessa guitarra fazia muito tempo que eu não fazia ajuste algum e a máquina acusou a necessidade de realizar o ajuste do tensor e recomeçar a medição. Ela foi ajustada, novamente afinada e ficou mais 15 minutos para ser medida.

Após uma leitura com cordas, com o tensor ajustado e afinada, é a vez de remover as cordas e voltar a medir tudo novamente.

Com essas duas medições a máquina consegue comparar e determinar como esse braço responde com as cordas instaladas e também quais são as correções necessárias a serem feitas. Abaixo o resumo da situação da ação das cordas. Um pouco altas para um instrumento com abordagem moderna, mas na condição que estava não tinha como deixar mais baixa.

Sem cordas também a máquina tem a possibilidade de criar uma imagem perfeita de cada traste e fazer todos os cálculos e gráficos para termos uma imagem virtual com precisão.

A guitarra tinha um raio 12, mas a medição mostrou um desnível entre eles e também uma ligeira torção no braço que não era propriamente crítica e estava dentro dos limites tolerados.

A guitarra é anunciada como raio 305mm / 12 e a máquina é precisa a ponto de mostrar o valor real de cada um. Como a imagem mostra, eles variam entre 11.4 e 12.4, ainda assim dentro do aceitável considerando que foram instalados manualmente na fábrica.

Agora a questão que falei anteriormente sobre alterar o radio da escala. Não estava bem nos planos….

Normalmente para se trocar o raio da escala é necessário tirar os trastes, desbastar a escala para o novo raio e então instalar novos trastes curvados com o raio desejado.

Com a Plek é possível fazer um raio “fake” e é aí que resolvemos brincar.

A guitarra tem trastes inox e além de não terem nenhum desgaste, o que é normal, eram extremamente altos e tínhamos muito material para trabalhar, foi então que surgiu a ideia de deixar a guitarra ainda mais confortável criando um raio composto.

Com a máquina é possível fazer isso sem tirar nenhum traste. A escala de madeira e as bases dos trastes continuaram raio 12, mas desbastamos material dos trastes para fazer um composto 11 – 15.

Mais legal ainda é a possibilidade da máquina calcular e executar exatamente quanto cada traste precisa ter de raio para ter uma relação perfeita.

No processo manual normalmente é feito lotes de trastes 11, outros 12 até chegar no 15.

Nesse caso a máquina sugeriu e os trastes ficaram de 11.4 até 15 após o serviço.

Medição antes e depois da mudança de raio:

Agora o depois, com a escala com um raio perfeitamente calculado e tudo alinhado:

No processo de mudar o raio já foi feito ao mesmo tempo o alinhamento dos trastes e a máquina teve em consideração e corrigiu a ligeira torção que o braço tem, tudo só no desbaste dos trastes. Esse foi o resultado final do ajuste individual:

Como tinha muito material para remover, mesmo após o serviço os trastes ainda ficaram bem altos, perfeitos e como são inox é um serviço que fica feito praticamente para sempre.

Isso possibilitou ter este resultado fantástico de ajuste de ação final das cordas:

Para quem aprecia conforto e velocidade, melhor é impossível. Não sou um guitarrista virtuoso, mas esse modelo em questão tem toda uma abordagem moderna com vários upgrades em relação ao projeto da tele tradicional e valia a pena deixar a performance dela ainda mais alta.

Tudo que tinha para fazer no braço foi feito e agora era a hora da próxima etapa, o nut.

O nut pode ser removido manualmente com algum cuidado, mas dependendo de como foi instalado e a forma como foi colado pode danificar a madeira ao remover e é claro que a Plek também resolve esse problema.

Após medir as dimensões do braço, ela sabe exatamente onde está o nut e vem com uma broca desbastando até chegar na madeira, na base do antigo nut. Os dois pontinhos brancos foram as bases do antigo nut que eram cravadas na madeira e que sobraram após o desbaste.

Novo nut instalado e colado:

Decidimos aguardar a cola secar para evitar problemas e fomos analisar os gráficos e definir os passos e configurações para fazer um nut novo.

Tanto o nut como os saddles estavam completamente fora das margens ideais após análise e ela também apresentou a solução ideal com base no espaçamento dos saddles e dimensão da escala do instrumento analisado.

É claro que ainda assim o usuário pode customizar e alterar esses parâmetros e fazer algo totalmente a gosto. Eu confiei no cálculo pois sugeria um resultado simétrico, e foi o que aconteceu.

Com o novo nut feito, todos os parâmetros ficaram dentro das margens de tolerância. Este gráfico mostra já após o nut estar pronto, mas todo o processo é demorado pois envolve medir o tempo todo após cada procedimento e isso não tenho como documentar em fotos.

Após desbastar e fazer os slots do novo nut, o resultado é esse:

Como é visível, o nut ainda está completamente quadrado e áspero, assim como os trastes ainda apresentam marcas microscópicas dos locais em que foram desbastados.

Tanto o nut como os trastes, o polimento final é manual e leva poucos minutos pois é mais uma questão de dar brilho.

O nut ainda deu um pouco mais de trabalho pois foi arredondado com uma lixa e só depois polido.

Aqui o resultado final, mas ainda não acabou 😀

Depois de todo esse vai e vem, é preciso colocar as cordas, afinar e voltar para que a máquina possa atestar o resultado do trabalho e confirmar que o pretendido foi alcançado:

O gráfico mostra os picos na parte de baixo que representam os trastes, e a curvatura normal do braço provocado pela tensão das cordas.

É difícil de ver, mas na linha verde mesmo colada nos trastes existe uma linha laranja visível em apenas alguns pontos.

Esta linha laranja representa o que foi alcançado, e a linha verde o ideal projetado pela máquina. A precisão do ajuste é tão grande que as duas linhas basicamente se sobrepõem.

Na parte de cima com esta fita amarela temos a linha laranja que representa a ação medida e a linha verde que representa a ação ideal projetada pela máquina.

Essa fita amarela é a margem de tolerância e como podemos ver a diferença é desprezível e de todas as medições esta é a que está mais sujeita a variações.

É sabido que o instrumento muda de som conforme é tocado, e me atrevo dizer que virou outro instrumento após esse serviço.

A forma com que seguro o braço é outra, e a forma como toco essa guitarra mudou completamente. Consequentemente o som também mudou e agora é muito mais fácil fazer tudo o que quero para tirar som dela.

A perfeição nem sempre é o objetivo, e sinceramente em um instrumento antigo ou vintage-specs não faz sentido fazer um setup “Ferrari” como esse, mas ainda assim a Plek pode colocar o instrumento dentro dos padrões originais respeitando e reproduzindo até mesmo as suas inconsistências que fazem parte do seu caráter e charme.

Quero agradecer ao pessoal da Plek desde o fundador aos funcionários por permitir não só conhecer onde são feitas essas máquinas incríveis, mas permitir também fazer o serviço em uma das minhas guitarras para mostrar aqui no blog. Foram todos muito amáveis e é sempre um prazer estar na presença de todos eles. Este que vos escreve feliz da vida no parque de diversões:

Como post bom é post com vídeo, fiz uma pequena compilação de forma cronológica desde a primeira medição até a finalização manual com polimento.