Deluxe Reverb – Um amplificador de Butique

Tirando um pouco da poeira do blog, estes últimos meses foram de muito trabalho e este espaço tem ficado um pouco mais parado mas nunca abandonado.

O post de hoje é muito especial pois ele começou faz tempo, com o desejo de montar um amplificador ponto a ponto com componentes selecionados.

O projeto em si começou a tomar forma em Maio de 2020, quando lentamente comecei a estudar qual amplificador gostaria de montar e também iniciei a compra dos componentes.

Sim, existem muitos kits disponíveis e neste caso foi a parte vital para esse amplificador:

(basta clicar nas imagens para ver em alta resolução)

Adquiri o Kit normal do Deluxe Reverb da Tube Amp Doctor sem alto falante.

Normalmente aqui no blog sempre tento disponibilizar o máximo possível de dicas sobre projetos de eletrônica, e este post não é diferente, com a diferença de que a minha intenção não é trazer um passo a passo.

Um projeto deste tamanho, custo e complexidade envolve um longo contato com a eletrônica, bem como o domínio de técnicas de solda e manipulação de componentes eletrônicos.

Um passo a passo ficaria gigantesco e não iria solucionar todas as questões que aparecem, para isso quem tiver alguma dúvida específica pode enviar um e-mail para o blog (ver topo da página).

Antes de chegar no projeto propriamente dito, acho importante lembrar que antes de começar a construir é necessário ter as ferramentas para todas as etapas da construção.

Além da estação de solda (com temperatura controlada de preferência), pinças, alicates de corte e demais acessórios para a manipulação dos componentes, é necessário também organizar a bancada com instrumentos que vão ajudar na finalização e ajuste.

Um multímetro, básico não só para ajustes e medições, mas também para verificação de ligações e valores de componentes.

Outra ferramenta essencial para os primeiros testes é uma carga fictícia, para em um primeiro momento não ligar o amplificador direto no falante pois caso alguma coisa esteja errada pode danificá-lo, sem contar na praticidade de poder fazer todas as medições e anotações iniciais apenas com o chassis na bancada.

Basicamente montei uma carga fictícia com um resistor de 8 Ohm 100w, um cabo de alto falante e um jack P10.

É o tipo de ferramenta que só se faz uma vez e ajuda na construção e manutenção de outros amplificadores no futuro.

Um osciloscópio é bem-vindo, e no meu caso tenho acesso à uma oficina completa por isso não adquiri um especialmente para este projeto.

Uma bancada limpa e organizada é essencial pois lembrando, envolve altas tensões que podem ser letais e um local de trabalho bagunçado aumenta o risco de desastres.

Sim, pode ser montado no conforto da sua sala, desde que tome todos os cuidados.

Recomendo ter um medidor de Bias externo.

Existem muitas formas de medir e inclusive montar o medidor dentro do amplificador de forma permanente ou provisória para os primeiros ajustes.

No meu caso eu queria ter um acessório externo pois procurei ser fiel ao projeto e também preciso de um medidor que possa ser utilizado em outros amplificadores que me aparecem para montar, modificar ou reparar.

Para isso comprei um Kit que consiste em um soquete Octal, uma base de plástico igual à base da válvula e um resistor de 1 Ohm para realizar a leitura em mV.

O kit traz um resistor de 1% de precisão, o que é legal, mas decidi ir um pouco mais além e encomendei alguns resistores Vishay com 0.5% para maior precisão na medição.

Medidor montado, tudo pronto para o projeto.

Falando em Kit, eu poderia ter simplesmente montado um desses disponíveis mas tive a vontade de fazer diferente personalizar algumas partes.

Isso obviamente encareceu muito o projeto, a ponto de ser mais caro que um amplificador pronto na loja.

A diferença é que os amps novos dessa série produzidos pela fender possuem um som muito diferente que não lembra o amplificador original, além de não utilizarem componentes de grande qualidade.

Comprar um original e deixar ele soando realmente bem é sim um investimento alto e que para o meu caso não vale o esforço, então melhor começar do zero e fazer algo como se deseja.

Questão pessoal, quem já teve contato com um amplificador feito com componentes selecionados não se contenta em montar um kit simples, que embora tenha ótimos componentes pode ser amplamente melhorado.

Para isso tive de comprar peças de várias fontes diferentes e vou passar aqui os sites das empresas que adquiri partes específicas:

www.tube-town.de

www.tubeampdoctor.com

www.tedweber.com

www.mercurymagnetics.com

www.mouser.com

Como gosto muito dos amplificadores da Fender e gosto de tocar Blues, decidi construir a versão AB763 Deluxe Reverb com 22w de potência, um combo com 1×12.

Apesar de não “concordar” com algumas partes do kit e substituí-las, é a forma mais fácil de adquirir as peças em quantidade ideal, próprias para este projeto e sem ter de comprar ainda mais separado do que já foi.

O preço final também acaba por ser melhor pois comprar tudo separado fica ainda mais caro.

Não havia a necessidade, mas comprei o kit completo, o que me permitiu guardar muitos componentes e tenho praticamente o suficiente para montar mais um amplificador.

Neste caso já vem com várias peças de qualidade como:

Chassis

Gabinete de madeira com finger joints, tolex instalado assim como tecido ortofônico.

Válvulas selecionadas Tube Amp Doctor que dispensam comentários. Mesmo que não comprasse o kit deles, com certeza compraria o set pois são realmente sensacionais.

Chapa do painel frontal e traseiro com serigrafia.

Jacks Switchcraft

Switches, conectores, knobs

Placas de circuito ponto a ponto

Fios, todos os parafusos necessários, porcas, etc..

Potenciômetros, capacitores, resistores.

Soquetes

Tudo isso com a praticidade de receber cada componente em um saquinho, devidamente catalogado.

Todos os componentes listados são de qualidade como já falei, mas dei um passo um pouco maior e defini que queria algumas coisas diferentes:

Transformadores:

Os originais são de boa qualidade, feitos nos EUA e o som desses amps são incríveis com eles.

A questão é que preferi recorrer à marca que faz os melhores transformadores “fender-like” no mercado, a Mercury Magnetics.

Guardei os originais do Kit e comprei todos da série Tone Clone que possuem todo um trabalho de pesquisa e engenharia reversa para serem equivalentes aos originais. Estes transformadores são vendidos também para substituir nos amplificadores antigos.

Pensar no futuro também é uma coisa interessante, e como nunca sabemos o dia de amanhã e que maluquice vamos inventar, adquiri o transformador com o primário universal que contempla as seguintes tensões: 100v, 120v, 220v, 230v, 240v.

Além do transformador de potência ser “multivolt”, o transformador de saída também é versátil com saídas de 4, 8 e 16 Ohm.

Soquetes:

Fiz questão de comprar e utilizar soquetes Belton, guardando os cerâmicos de marca desconhecida que acompanham o kit. É o tipo de investimento que não altera muito o preço final, mas traz o benefício de ter algo que realmente dura uma vida.

Resistores:

De uma maneira geral utilizei os da TAD que são Carbon comp, mas por questão de gosto pessoal e estabilidade, decidi utilizar alguns diferentes na fonte (óxido metal).

Como referi anteriormente, a ideia era deixar fiel ao projeto original, o que foi feito, apenas os tipos de alguns componentes são diferentes do amplificador original por segurança.

Há quem não goste e queira utilizar tudo como na época.

É impossível replicar totalmente como da época, começando pelos capacitores eletrolíticos que eram fracos, com alta taxa de falha e uma construção bem rudimentar de papelão.

Existem algumas marcas recriando estes capacitores, mas os valores para esse projeto ainda não existem caso alguém queira uma cópia realmente 100% fiel.

Potenciômetros:

O kit traz 10 potenciômetros Alpha 24mm de boa qualidade, mas por gosto pessoal e também durabilidade e qualidade de condutividade, utilizei CTS em todas as posições.

Os capacitores são de polipropileno Orange Drop projeto da TAD e fabricados pela Sprague.

A vantagem desse material é a estabilidade, resistência à mudanças de temperatura e deterioração muito lenta comparada com os de polyester.

Antes mesmo de iniciar as soldas separei cada capacitor e levei ao osciloscópio para verificar o “outerfoil” e posicioná-los da melhor maneira no circuito para uma performance mais silenciosa.

Com tudo na mão, comecei por trabalhar no chassis.

Apesar de ser um kit com tudo pensado, alguns furos não tinham o tamanho certo e foram alargados, e outros em falta que tive que fazer.

As placas não são furadas e a pessoa que vai montar deve decidir como irá ser feita a instalação no chassis.

Comecei por colocar soquetes, jacks e transformadores.

Com tudo posicionado é hora de soldar tudo o que é possível sem as placas.

Feito isso, iniciei pela placa da fonte do bias que é a menor de todas e possui apenas três componentes.

Uma pequena melhoria muito comum neste circuito é utilizar um capacitor de 50uF 100v no lugar do original 25uF 50v que além de não filtrar tão bem opera muito perto do limite de tensão do componente.

Tanto na fonte de alimentação do bias como da alta tensão os valores foram respeitados, mas utilizei resistores 2w óxido de metal no lugar dos originais do projeto 1w carbon comp.

Isso garante maior estabilidade, longevidade dos componentes e também baixas temperaturas.

Outro detalhe que fiz diferente do que normalmente vai no projeto, foi utilizar resistores carbon film de 1w no lugar dos carbon comp 1/2w para a parte dos filamentos.

Fiz alguns testes com os originais do kit, mas a inconsistência de valores (85 ohm e 107 ohm) fez com que eles não fizessem o seu papel corretamente.

Com os novos resistores com valores idênticos o amplificador ficou extremamente silencioso e sem nenhum “hum”. Quem ainda assim quiser usar os originais recomendo comprar vários e medir até encontrar dois exatamente iguais para funcionar bem.

Após finalizar a placa de alta tensão foi a hora de passar os fios da “dog house” (parte onde ficam os capacitores) para dentro do chassis onde serão ligados na placa do circuito propriamente dita.

Com essa parte finalizada comecei a soldar os componentes da placa principal.

É preciso especial atenção pois existem conexões feitas por baixo da placa e caso alguma coisa esteja errada, é preciso desmontar o amplificador todo para corrigir.

Antes de começar a soldar estudei o esquema e o layout durante meses até entender todas as conexões.

Normalmente inicia-se pelos componentes menores até os maiores.

Neste caso fiz diferente, pois todos eles se encontram nos pontos e fica um pouco difícil adicionar componentes depois, então fui do pré até o power gradativamente instalando os componentes.

Depois da placa com todos os componentes finalizada, foi a vez de instalar no chassis e iniciar a ligação dos potenciômetros e por último as válvulas.

Note que esse projeto possui fios por cima da placa e estas conexões são muito importantes no circuito de pré. Devem ser bem feitas e soldadas para evitar ruídos.

Por último foi passada a fiação dos filamentos e a parte de soldas terminou.

Finalizadas as ligações foi o momento de instalar as válvulas e fazer primeiro power up.

Seguindo o projeto original da Fender, assim que liguei ainda em stand by comecei a conferir todas as tensões e como estavam perfeitas fiz o primeiro teste de som. 

Inicialmente ajustei a tensão negativa mais alta para um bias frio na primeira vez que ligava o amplificador, o que deu -43.3v e 18mA em cada válvula.

Assim como no esquema original, medi 415v nas válvulas, o que dá um ajuste ideal de 20.2mA.

No meu caso fiz um ajuste fino e consegui estabilizar em 20.4mA por válvula o que está perfeitamente dentro dos limites.

Após o primeiro ajuste de Bias fiz testes no amplificador por cerca de duas horas para ter a certeza de que tudo estava estável.

Confirmando tudo funcionando bem, lembro que este é um combo e precisa lidar com vibrações.

O verniz nos parafusos garante que não terá ruídos de vibração e também não vão soltar com o tempo, o que além de ruidoso pode ser perigoso.

O gabinete não vem totalmente finalizado e é necessário fazer alguns furos para instalar o chassis, o tanque na parte inferior e também a folha de alumínio que “tampa/blinda” o chassis e garante uma operação silenciosa.

Hoje em dia não é preciso sofrer com cola pois estas folhas já possuem um lado com adesivo e a instalação é bem simples.

O alto falante escolhido para este amplificador foi o Weber 12F150, Light Dope já com o Cone-brake feito. Este é um dos melhores alto falantes no mercado para amplificador tipo Blackface e que substitui com grande elegância os originais Oxford 12K5.

É claro que a escolha é uma decisão muito pessoal e existem ótimos modelos da Jensen, Celestion etc…

Neste caso consegui com uma loja especializada que já faz o serviço de cone-brake, e na primeira vez que liguei o amplificador tudo soava macio com todas as frequências respondendo bem.

Talvez a única coisa realmente moderna que fiz foi utilizar um cabo diferente para o alto falante.

Normalmente nestes amplificadores usa-se o mesmo cabo rídigo revestido com tecido, mas no meu caso preferi algo tecnológico e comprei um cabo para alta fidelidade cobre puro livre de oxigênio.

Nunca é demais investir em algo muito resistente em uma parte que se falhar pode queimar o transformador de saída.

Para quem tiver interesse, é da marca KabelDirekt fabricado na Alemanha.

Algumas considerações e dicas:

Se pretende construir um amplificador, pequeno ou grande, não faça com pressa. Fazer o amplificador tem de ser parte da diversão e a ansiedade não pode ser misturada no processo.

Se for trabalhar com fios rígidos com revestimento de tecido como nesse projeto, não use alicates ou outro tipo de ferramentas na hora de manipulá-los, faça isso com as mãos com cuidado e devagar para dar a forma que deseja.

Use equipamentos de qualidade, como ferro de soldar e também o estanho.

Seja organizado e faça um trabalho limpo dentro do amplificador. Circuitos valvulados são muito sensíveis e facilmente apresentam problemas de ruídos e oscilações.

Seja qual for o circuito, ele possui módulos (fonte, pré, power) e isso deve ser lembrado durante a construção.

Se você constrói por módulos e dá a devida atenção a cada um, no final tudo faz sentido e se conecta perfeitamente.

O fato de os componentes serem soldados quase sempre na parte final do terminal não significa que não recebam muito calor na hora da solda.

Utilize pinças para dissipar o calor em cada solda e garantir a integridade de cada componente.

Assim como os fios, a manipulação dos componentes também deve ser feita com as mãos, utilizando os alicates apenas para correção com cuidado. 

Dentro do amplificador acumula muito calor. Não utilize peças que não resistam ao calor ou algum tipo de produto que pode derreter.

Se for construir um combo, lembre que tudo vai vibrar.

Só apertar bem os parafusos pode não ser suficiente. Certifique-se de que peças e conexões rígidas não se tocam, evitando assim “buzz” quando se toca as notas graves.

Nunca esqueça das altas tensões. Com o amplificador ligado, jamais coloque a mão seja onde for, com ele desligado, sempre confira se os capacitores da fonte estão descarregados antes de qualquer manutenção.

Existe uma primeira vez para tudo, e foi a primeira vez que montei um combo. 

Algumas empresas afirmam que este kit pode ser montado em 16hs, o que discordo. Talvez quem monte todos os dias consiga, mas em um cálculo bem por alto penso que fiz em 60hs. 

Levei vários dias pois fiz sem pressa e não queria correr riscos desnecessários.

A falta de tempo ainda não permitiu fazer um vídeo com qualidade, mas deixo aqui uma amostra gravada com o celular do desempenho do amplificador que ficou exatamente com o som que eu desejava.